UM CAMPO DE AVIAÇÃO
Joana Pimenta
Portugal/EUA, 2016, Video, 14’, loop
Um campo de aviação num subúrbio desconhecido. O lago debaixo da cidade queima as ruas. As montanhas atiram rocha nos jardins. Na cratera de um vulcão, uma cidade modelo é levantada e se dissolve. Duas pessoas encontram-se neste lugar, separadas por cinquenta anos.
Brasília foi construída na linha do horizonte. É artificial. Começou com um X desenhado no meio do cerrado deserto, os traços das suas coordenadas apagando as camadas de história enterradas debaixo do seu solo. Histórias de partidas e de chegadas entre Portugal, África e o Brasil. A sua brancura pristina carrega a pretensão à universidade horizontal do modernismo utópico, recusando refletir no chão de cimento e nas paredes intocadas a sujidade da sua ereção. Brasília, a cidade imaginária, foi construída sem lugar para ratos.
Em coordenadas geográficas paralelas, do outro lado do oceano,
um X marca um reverso. O Fogo ergue-se por cima. A cada cinquenta anos o vulcão no centro desta ilha dissolve a arquitetura das construções permanentes. Fogo, o chão reverso do qual Brasília foi construída, sequestra cidades inteiras dentro da sua cratera e ciclicamente as apaga.
Entre os dois, Um Campo de Aviação constrói um lugar. Um futuro geográfico jaz já no passado de uma cronologia impossível. A história da construção de uma cidade elide com a destruição de outra, as duas ao mesmo tempo vulcânicas e glaciais, naturais e construídas, orgânicas e eletrónicas, uma e a mesma, um mundo que é, por si só, já um artefacto enterrado. Através da construção manual de maquetes e de mattes, desenhados e montados para serem filmados, mais que imaginar uma experiência, Um Campo de Aviação tenta experimentar uma imaginação. Algures entre a etnografia e a ficção científica, procura-se a narração da viagem impossível da exploração: aterramos gloriosamente num lugar que não podemos perceber, somos incapazes de o reconhecer, e morremos antes de poder fugir. Narra-se uma arquitetura construída a partir de papel e de imagens que se procura tornar uma geografia real. A câmara circula entre estas construções manuais como um veículo impossível, vindo do espaço, ao mesmo tempo pequeno demais para as conter e demasiado grande para caber lá dentro, às vezes tão longe que as imagens demoram a formar, outras perto demais para esconder as marcas
e as imperfeições a partir das quais se formam novos lugares.
Brasília e o Fogo são aqui totens, monólitos, paisagens hostis para serem erigidas e logo destruídas a partir de papel, grão e destroços. Dois pontos de uma linha, cercados pelas paredes circulares de uma montanha.
E lá me encontro, viajante no tempo, arqueólogo do espaço, a tentar reconstruir o exotismo a partir de parcelas e destroços.